Debate de Osamu Tezuka com os profissionais

Debate realizado em 1/10, no Caesar Park Hotel, reuniu cerca de 50 profissionais, entre eles: Jayme Cortez, Francisco Noriyuki Sato, Roberto Kussumoto, Marcos Mikio, Valdir Gambôa, Ricardo Woo, Reinaldo (roteirista da MSP), Louis Chilson, Walbercy, Ely Barbosa, Mauricio de Sousa, Tatiana Belinsky e outros.

Ely Barbosa: Qual é o processo que você usa para distribuir seus trabalhos?
Tezuka: Os desenhos animados do Japão são entregues em mãos de empresas importadoras e exportadoras. Mas como agora tais produtos estão mais conhecidos no cenário internacional, também existem empresas importadoras do exterior que vem firmar contratos diretamente com as produtoras. No meu caso, por exemplo, que é uma produtora, não se faz a distribuição. Por isso, os contratos são feitos na relação produtora e distribuidora. E também, dependendo do caso, intervém a televisão nesta negociação, dividindo-se os lucros igualitariamente em parcelas de um terço para cada um.

Ely Barbosa: Incluindo o merchandising?

Tezuka: Não, isso apenas no que se refere à distribuição. Merchandising corre por outros contatos paralelos. O problema é quando existe dentro do país contratos já firmados. No caso do merchandising, a produtora e a distribuidora dividem as suas percentagens, sendo comum a divisão de 50% dos lucros futuramente obtidos. Mas quando a produtora de repente vai fazer um contrato com uma distribuidora estrangeira, aí entra um conflito de interesses entre a própria produtora e a distribuidora japonesa, ambas amarradas pelo contrato já firmado antes. Kimba teve um contrato de distribuição com a firma americana NBC International por um prazo de 10 anos. Enquanto esse período não se passar a NBC se reserva no direito de distribuição pelo mundo todo. Qualquer contrato só poderá vir a partir do fim desse prazo. Kimba quando passou pela América do Sul foi todo distribuído pela firma americana em contato com as importadoras locais.

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Troca de presentes: Erena Suganuma e Cristiane Akune, com Worney Almeida sentado

Reinaldo: Com respeito à produção de um desenho animado para a TV, como é feita a sua criação? Você dá as coordenadas para depois sua equipe seguir toda a orientação?

Tezuka: Sim, exatamente dessa forma é que se monta o esquema. No entanto, pelo fato de eu ser um tanto quanto autoritário, as pessoas geralmente se retraem em dar as suas respectivas opiniões. E quando eu percebo isso, procuro dar uma escapadela da reunião. Somente então a equipe começa a discutir entre eles mesmos de maneira bastante aberta, levantando muitas ideias criativas. Geralmente, os registros das propostas dessas reuniões são posteriormente aprovadas com bastante êxito.
Só lamento que o receio dos membros da minha equipe impeça um pouco o nosso relacionamento. Experiências do tipo talvez possam ser análogas às que vivem o cotidiano do estúdio de Mauricio de Sousa.
Eu penso que a produção de um desenho animado é uma espécie de edifício a construir, onde se integram diversos criadores pela coordenação de um responsável. O coordenador é a parte livre de um relógio, mas que depende dele próprio as outras dezenas de peças. Sem a participação harmônica de cada um nada poderia ser feito satisfatoriamente. Por outro lado, não posso entrar como um repressor de ideias individuais, impondo um padrão somente meu, pois isso aniquilaria o contexto da criação. E assim, sempre procuro ouvir o máximo possível as opiniões da minha equipe, assumindo também um papel de líder para que o todo do desenho animado não fique descaracterizado.
A animação deve ser uma construção a nível coletivo, dando reconhecimento participativo a cada profissional. A mim cabe exclusivamente a coordenação.

Ely Barbosa: Poderia nos dar uma ideia do custo médio de um desenho animado para a TV, sendo em metragem de 22 minutos?
Tezuka: Sendo 22 minutos, o custo seria 9 milhões de ienes (90 milhões de cruzeiros – R$ 815.813,52 atualizando pelo IGP-DI até janeiro de 2020). No Japão, isso é bastante barato, considerando-se que o desenho animado contemporâneo leva de 7 a 9 mil acetatos.

Ely Barbosa: Quanto tempo se demora para produzir 22 minutos?
Tezuka: No Japão, do roteiro à revelação consome uma média de 3 a 3,5 meses de trabalho.
Eu coloquei um número bem modesto de acetatos, mas, no entanto, creio que existe aí a possibilidade de enriquecimento visual através de muitos movimentos de câmera e pelo dinamismo do roteiro em si. É possível dar a impressão do movimento em cima de animação estática. Dentro do conceito de Disney, ou de desenhos russos, havia ficado a definição de que no mínimo deveria sempre existir um X número de acetatos em movimento. Mas a animação televisiva exige que a cada semana se faça um filme, não podendo furar com esses prazos. O prazo é o grande problema que nós temos de enfrentar ao produzi-lo.
O ideal seria produzir primeiro uma série inteira de filmes (em 26 ou 52 partes) e vender tudo de uma vez. Porém, como nenhuma produtora possui tal reserva em dinheiro para investir, faz-se num primeiro momento uns 20 filmes e depois, enquanto a TV vai rodando os capítulos prontos, no estúdio continuamos a trabalhar nas partes seguintes. Nos EUA também é assim.
O compromisso de conclusão de um capítulo em relação a um prazo gera um processo mecânico de confecção. E o melhor macete para a situação é usar poucos desenhos em movimento, economizando animação. A partir disso, também surge a necessidade de botar a criatividade para dar movimentos em desenhos estáticos por movimentos de câmeras.

Walbercy: Como você se sente face da ameaça da animação computadorizada contra aquela feita artesanalmente?
Tezuka: Bem… gostaria de inverter a pergunta: você acha que o computador poderia fazer uma boa animação?

Walbercy: Eu voltei de viagem agora e vi coisas fantásticas. É uma ameaça. Inclusive no campo gráfico a computação já superou há tempos os métodos manuais. Embora ainda seja muito cara a sua utilização, a evolução tecnológica tem sido muito grande.
Tezuka: Realmente, com relação ao computador, eu não faço nenhuma discriminação. Acredito que daqui a uns 10 anos talvez não haja nenhum movimento de animação que o computador deixe de realizar.
John Halas – atual presidente da Associação Internacional de Animação, que há 40 anos atrás fez o famoso desenho animado Animal Farm – apesar de hoje estar bem velho, é um dos entusiastas da animação computadorizada. Eu me lembro que, na década de 60, quando pude ter a oportunidade de um encontro com ele, John Halas previa para mim que a computação seria a grande vedete do desenho animado dos anos vindouros. Mas depois ele percebeu que nem tudo era assim: a animação de mão também tinha sua beleza própria insuperável. Tanto é verdade que muitos prêmios estão sendo concedidos atualmente nos festivais a esse tipo de desenho, mesmo em concorrência direta com as produzidas por computador. O ideal seria a síntese entre estas duas técnicas específicas, ambas irmanadas pelas suas respectivas diferenças.
Certa vez vi um comercial de TV produzido por uma empresa norte-americana que apresentava um homem inteiramente calculado pela mente humana, através do computador. Era como se fosse antes um robô desenhado muito realisticamente. No entanto, quando a câmera imaginária foi dando um close sobre o homem, eu levei um tremendo susto: seus olhos estavam mortos. Pelo fato de ter sido construído calculadamente, não havia expressão de vida naqueles dois olhos. Por mais que os movimentos sejam perfeitos, sempre este tipo de animação transmite a sensação de personagens-máquinas.
De outro modo, a animação de mão possui um calor humano, muito próprio de quem a desenhou. Os traços revelam isso. Ainda que a computação venha a se evoluir com rapidez, haverá, penso eu, um lugar para aquela feita artesanalmente. É uma opinião bastante pessoal a respeito.

Walbercy: O conteúdo de seus roteiros visa crianças japonesas ou as do mundo todo?
Tezuka: Com certeza crio para as do mundo. Tanto as crianças japonesas, como as de outras localidades, possuem de maneira geral uma mentalidade semelhante. Naturalmente existem diferenças culturais, no entanto, também há muitos pontos em comum.
Eu percebi, além disso, que se eu me preocupar por demais em vender e exportar o meu produto comercialmente, não poderá dar um resultado muito bom. Objetivando o mundo teria que universalizar falsamente as temáticas e características de comportamentos dos personagens. E a criança é uma criatura tão sensível que, se ela perceber certas concessões temáticas do autor, ela deixará de ver o desenho animado. Por isso, apesar da relativa universalização de meu trabalho, antes tenho a preocupação sincera de escrever aquilo que eu quero dizer. A inteligência da criança é tal que jamais aceitará produtos “infantilizados” pelos adultos.
Daqui para frente o importante é não mentirmos para a criança na questão temática. Se eu sou um pacifista devo claramente afirmar a minha posição diante dela. Esta extrema sinceridade possibilita despertar uma confiança espontânea da criança sobre nossos trabalhos.
Não gosto da atitude dos adultos que procuram ensinar determinados comportamentos exatamente porque eles se acham no direito de definir o que é bom e o que é ruim.
Por isso mesmo, relembrando a minha infância, ou ainda, observando meus filhos, é que tenho desenvolvido meu trabalho a partir desse tipo de pesquisa. Isso acontece porque tento resgatar sempre a criança em seu estado mais puro.
(Publicado originalmente no fanzine Quadrix – edição Abrademi, de novembro de 1984)