Uma tarde com Ossamu Tezuka

Tezuka foi um inovador do traço do desenho japonês. Inspirou-se, em seus tempos de criança, nas atrizes do famoso teatro da cidade de Takarazuka, que se pintavam muito para representar tanto os papéis femininos como os masculinos. Seus olhos é que lhe causavam mais forte impressão: grandes e brilhantes.

Já como artista, ele passou a desenhar suas personagens segundo o modelo de Takarazuka, dando às figuras um traço no olhar que tornou característico as HQ japonesas.

Durante a sua infância já era também um maníaco por mangá e tinha uma coleção de 400 revistas. Tezuka conta que seu pai sempre o incentivou pelo gosto de mangá comprando revistas para ele. Além disso, nos tempos de namoro com sua mãe, escrevia cartas de amor para ela em forma de quadrinhos e, no final, sempre colocava: “continua no próximo número, isto é, na próxima carta…”

Só que no momento de opção de carreira, ser desenhista não era uma profissão digna para o filho e Ossamu teve que fazer o curso de medicina. Mas sua teimosia venceu. Hoje em dia é considerado um dos expoentes da HQ japonesa e inúmeros outros desenhistas seguiram o modelo de seu traço.

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Profissionais femininas: um mercado em expansão

Segundo Tezuka, nos dias atuais, a profissão de desenhista está em quarto lugar na preferência das moças na escolha de suas carreiras.

Esta grande procura deve-se ao fato de isso lhes dar notoriedade e fama dentro da sociedade japonesa. Sonham em ficar famosas, prestigiadas, dar entrevistas na TV, dar muitos autógrafos, enfim, é uma forma da mulher ter um status que raramente é conseguido em outras profissões.

Existem cerca de 5000 profissionais nesta área. Este número elevado de desenhistas femininas é um fenômeno que só existe no Japão. Às vezes numa só revista colaboram cerca de 200 artistas. Só que toda essa euforia cessa quando elas se casam. Simplesmente abandonam a carreira (muitas vezes pela imposição do marido), trocando a pena pelas panelas e os serviços domésticos.

Tezuka compara essa passagem rápida das desenhistas com as atrizes de Hollywood: pelos estúdios sempre passam new stars, new faces; somente poucas continuam a arte do desenho após o casamento. Uma delas foi Riyoko Ikeda, a famosa criadora de A Rosa de Versalhes.

Mas ele acredita que na maioria dos casos, o casamento é incompatível com esta profissão. A própria R. Ikeda já se divorciou quatro vezes e, no caso de Tezuka, sua esposa já passou maus bocados nos 25 anos de casamento de ambos.

Walt Disney, o grande inspirador de Tezuka

Entre os desenhistas internacionais que Tezuka mais admira está Walt Disney. Diz, que ele era um artista com uma proposta dirigida às crianças, com mensagens positivas.

Ele chega até a se desculpar pelos outros desenhistas de mangá que colocam muita violência e sexo no conteúdo dos quadrinhos, comprometendo a produção japonesa. As criações de O. Tezuka, apesar das mudanças de estilo ocorridas pelo tempo, sempre mantiveram o mesmo conteúdo, expresso nesta frase: “Ame todas as criaturas. Ame tudo que tenha vida.” Ele tentou colocar sempre esse pensamento em cada um de seus trabalhos sob formas diversas: preservação da natureza, um mundo sem guerras e a felicidade da vida.

Além de Disney, gosta muito de Uderzo e Goscinny (Asterix), Walt Kelly (Pogo), além de Moebius. Vê a revista Heavy Metal como uma das inovadoras dos quadrinhos.

Além dos limites japoneses

Para que sua produção ultrapasse os limites do Japão, Tezuka deu ênfase ao desenho animado. Segundo ele, o mangá muitas vezes só é lido no próprio país, pois além dos problemas de tradução e paginação, tem um conteúdo limitado aos temas de gosto nacional. Geralmente, são situações que dizem mais respeito ao povo japonês.

Já o desenho animado é uma outra forma de comunicação e possibilita atingir um público mais amplo. Com isso a produção de O. Tezuka se fez conhecer fora do Japão, coisa não conseguida por outros desenhistas japoneses. É o caso do Astro Boy, A Princesa e o Cavaleiro, Phoenix etc.

Para chegar ao estágio atual, começou com desenhos animados para a TV em 1953 e, depois para os longa-metragens a partir de 1969.

Neste ano de 1984 Tezuka comemora 40 aos de atividades como desenhista. Ele costuma dizer que seus quadrinhos foram feitos quando ainda não havíamos nascido. Nossos pais ainda eram crianças e nossos avós possivelmente conheceram muitas de suas criações. Mas ele não se considera uma pessoa velha, pois começou a desenhar desde muito jovem.

Na verdade pude comprovar bem isso. Tezuka Ossamu ainda conserva no olhar, na expressão, o sabor da infância. Os seus quadrinhos transmitem um estado de alma que não tem idade. Este é o segredo que faz com que pessoas de qualquer idade se identifiquem de imediato com seus heróis.

(A entrevista aconteceu no verão/84 em Tokyo)

Sônia Bibe Luyten (publicado originalmente em Quadrix – edição Abrademi, de novembro de 1984)

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