LIKE SHOOTING STARS IN THE TWILIGHT, de KENSHI HIROKANE

por Cristiane A. Sato

A vida nunca é exatamente do jeito que a gente quer ou planeja. Esta é a premissa básica que se aplica a todos os personagens da série Like Shooting Stars In The Twilight (Como Cometas No Crepúsculo). Com desenho e roteiro de Kenshi Hirokane, esta é uma série formada por várias histórias curtas independentes entre si, sobre pessoas comuns com as quais qualquer outra pessoa poderia facilmente se identificar, com encontros e desencontros, realizações e decepções. Tratam-se de histórias profundamente humanas, cujos finais nunca são totalmente trágicos, mas também nunca são totalmente felizes, o que dá um tocante sentido poético àquilo que simplesmente chamamos de vida. Quase sempre os protagonistas de Like Shooting Stars In The Twilightsão pessoas no auge da fase adulta, de 40 anos para cima, trabalhando mas aproximando-se da aposentadoria, ou já na terceira idade (considerando que o Japão é o país que possui a mais alta taxa de longevidade do mundo, não deve ser difícil para boa parte dos leitores se identificaram com os personagens da série). Para se ter uma melhor idéia do que se trata esta série, nada melhor do que descrever algumas ao menos duas das dezenas de histórias já criadas por Hirokane.

No episódio Aisuru Seirei (Amada Fantasma), Imamoto é um recém-aposentado que tem dificuldades em lidar com o falecimento de sua esposa, Setsuko, por quem continua apaixonado, sentindo-se culpado por envolver-se com Keiko, uma bela “bar hostess” quinze anos mais jovem. O filho adolescente de Imamoto, Daigo, é um rapaz tranqüilo, de aparência normal, mas é mentalmente superdotado: um gênio da matemática. Custear os caros estudos de Daigo obrigam Imamoto a fazer escolhas complicadas e a endividar-se, hipotecando o pequeno apartamento onde vivem. Nas ocasiões em que precisa tomar decisões para garantir o futuro do filho, Imamoto recebe visitas do espírito da esposa, que conversa com ele como se ainda estivesse viva. Keiko, a “bar hostess” com quem Imamoto se envolve, está sendo perseguida pela máfia japonesa por ter desviado dinheiro da yakuzá. Ela se apaixona por Imamoto, por ter sido o primeiro homem com quem ela manteve relações sexuais sem que ele se importasse com enormes quelóides que ela possui no lado esquerdo do ventre e no seio, cicatrizes de uma tentativa anterior de assassinato.

Ao desenvolver e solucionar uma altamente complexa equação matemática, Daigo chama a atenção de professores que enviam seu trabalho para um instituto especializado em Nova York, que decide contratar o rapaz. Com a iminente partida de Daigo para os Estados Unidos, Keiko convida Imamoto para fugir com ela para Kyushu, sul do Japão, que apesar de entristecido em ter que se separar do filho, concorda. Keiko e Imamoto voltam para suas respectivas casas, e enquanto faziam as malas e se preparavam para fugir, membros da yakuzá localizam e sequestram Keiko. Utilizando seu celular, Keiko consegue enviar uma mensagem de texto para Imamoto, avisando-o do seqüestro e para onde ela estava sendo levada. Imamoto sai de casa às pressas e consegue chegar no cativeiro onde Keiko estava sendo mantida, mas para salvá-la ele mata a golpes de bastão de beisebol os yakuzás que a torturavam para saber onde ela havia depositado parte do dinheiro que procuravam. Agora tornando-se um assassino, fugir deixa de ser uma opção para Imamoto.

Imamoto passa a madrugada guiando por Tóquio com Keiko, deixando-a no aeroporto ao amanhecer. Enquanto ela providencia as passagens, Imamoto decide voltar para casa para pegar as cinzas de sua esposa, não percebendo que a yakuzá enviou um assassino para vingar a morte de seus colegas na noite anterior. Ao sair de seu apartamento, Imamoto é esfaqueado mortalmente, mas consegue andar até a praça em frente de sua casa, onde enfraquecido senta-se num banco segurando numa das mãos a caixa com as cinzas de Setsuko, usando a outra mão para cobrir o ferimento no ventre. Sentindo que ia morrer, Imamoto digita no celular uma mensagem para Keiko, mas sem forças para enviá-la, pede ajuda a duas colegiais que passavam pelo local, que estranham a aparência dele e lhe perguntam se estava se sentindo bem. Ocultando sua real situação das meninas, Imamoto insiste apenas para que elas digitem o celular para ele, que vão embora em seguida sem desconfiar de nada.

De repente, Imamoto acorda com a sensação de ter cochilado, com Setsuko conversando ao seu lado com naturalidade. Enquanto isso, no aeroporto, sem imaginar o que estava acontecendo, Daigo embarca para Nova York com um sorriso confiante pela nova vida que o espera, e em outra ala Keiko recebe pelo celular o recado de Imamoto: “Vou me atrasar. Por favor, viva feliz”. Compreendendo o que havia ocorrido, Keiko embarca para Kyushu chorando, com um assento vago ao seu lado. Na forma de espíritos, Imamoto e Setsuko flutuam pelo céu – ele maravilhado com a sensação de leveza e liberdade que a morte curiosamente lhe proporcionou, e ela explicando-lhe que agora ambos eram pura energia, e que dalí em diante eles voltariam a fazer parte da mesma energia que mantém o universo, como as estrelas. Mas antes de partirem em definitivo, Setsuko e Imamoto vão para acima das nuvens, de onde enxergam no ar os aviões que levam Daigo e Keiko para suas novas vidas. Emocionado, e sentindo ter cumprido sua missão, Inamoto parte com Setsuko em direção às estrelas.

O que impressiona em Like Shooting Stars é o desenho ultra-realista, quase técnico de Kenshi Hirokane. Cada quadrinho que ele desenha parece uma foto. Ele não glamuriza as cenas que desenha e ler suas histórias dá a sensação de estar diante de um documentário. Seu traço é limpo e bem definido, desprovido dos efeitos de sobreposições de riscos e reticulagem típicos do visual poluído dos shõnen mangás atualmente em voga para adolescentes. De tal modo ele domina a caracterização de seus personagens, que é fácil identificar em cada um deles qual a idade e estilo de vida que levam ao primeiro olhar. Tamanha é a sensação de realismo que o autor consegue passar com seu desenho, que o leitor às vezes se choca com elementos fantasiosos que ele poucas vezes introduz em suas histórias (no caso do episódio comentado, Keiko não tem aspecto fantasmagórico nem traz à história qualquer característica de suspense ou terror, e o modo pelo qual o assunto “morte” é tratado reflete crenças e aspectos comportamentais do oriente, que procuram reduzir o trauma do evento). E em tempos como os de hoje, nos quais a imagem de juventude é ultra-cultuada (a ponto de fazermos da aparência jovem uma obsessão e do natural e inevitável processo de envelhecimento uma neurose torturante), Hirokane mostra sem excesso de pudor ou de sensacionalismo o desenrolar de histórias de amor e cenas de sexo entre pessoas de cabelos brancos, de pele enrugada pelo tempo e corpos que carecem de definição muscular. Ao contrário do que leitores mais jovens podem imaginar, o relacionamento amoroso entre pessoas de faixa etária elevada é bem mais difícil do que quando se tem menos de 30, e é com incomum grau de sensibilidade que Hirokane consegue captar tudo isso.

O episódio Warau Seirusu Man (“O Vendedor Sorridente”, com um trocadilho usando o ideograma de hoshi – estrela – e referindo-se a outro mangá adulto de sucesso com título parecido, de autoria de Fujiko-Fujio A) conta a história de Masami Kuroiwa, uma típica obasan (“tia”, senhora de meia-idade) solteirona. Funcionária de uma agência dos correios, ela vive solitária, morando num pequeno apartamento, seguindo uma simples e quase sempre melancólica rotina, limitada à casa e ao trabalho – uma figura comum nas cidades japonesas de hoje. O cansaço e dores nas costas, além de sintomas do peso de seus 50 anos, a fazem lembrar de que aquele dia absolutamente ordinário era seu aniversário.

Apenas para não passar o dia em branco, ela timidamente decide comprar um bolo numa confeitaria a caminho de casa, mas não haverá festa. Sozinha, sentada à mesa baixa num tatami com o bolo diante de si, ela não sente ter muitos motivos para comemorar 5 décadas de vida. Suas recordações a levam a uma tarde de verão de sua adolescência. Procurando uma oportunidade para falar com um rapaz de quem gostava, a tímida e insegura Masami comprou um presentinho para entregar ao rapaz no dia do aniversário dele. Mas o rapaz, diante dela, recusou o presente dizendo que não queria que os outros pensassem que ele estaria de namoro com uma menina “tão feia”. A rejeição abalou sua auto-estima para sempre.

Enquanto isso, não muito longe dalí, numa empresa de futons(acolchoados e edredons japoneses que também são usados como cama) e aparelhos de massagem, um gerente está reunido com seus vendedores, explicando uma nova estratégia para aumentar as vendas diretas ao consumidor. O objetivo é atrair o interesse de obasans para colchões ortopédicos, massageadores para coluna e coisas do gênero, e para se aproximar de potenciais clientes a empresa levantou as datas de nascimento de várias senhoras que residiam na região, orientando os vendedores a ir à residência delas com uma rosa e um bolinho de aniversário de cortesia, dizer que estão fazendo uma pesquisa de opinião para empresa e pedir para ser atendidos. Um dos vendedores, tímido e aparentando uns 60 anos de idade, levanta a possibilidade – que ocorre com freqüência – da pessoa sequer abrir a porta, limitando-se a falar do outro lado observando o vendedor pelo visorzinho da porta. Um vendedor mais jovem resolve contar ao mais velho que, nestes casos, ele usava a tática de no final da conversa abrir a braguilha e mostrar o pênis diante do visor, o que causa espanto ao senhor. A lógica do jovem era a de que as clientes que eles procuram normalmente são senhoras carentes de sexo, e a chance de ter atenção íntima de um homem pode fazer com que elas abram a porta. Normalmente elas não atendem de imediato, mas ele deixa na porta seu cartão de visitas. Posteriormente elas entram em contato, e aí ele consegue convencê-las a comprar alguns futons. Terminada a reunião, o vendedor senhor recebe a incumbência de visitar uma tal senhora Masami Kuroiwa, e assim, munido da rosa e do bolinho brindes da empresa, ele resolve ir ao endereço indicado antes de ir para casa.

Surpreendida pelo toque da campainha sem esperar ninguém, Masami levanta-se da mesa para atender, quando acidentalmente espatifa seu bolo de aniversário no tatami. A campainha não para, e pelo olho mágico ela vê um desconhecido mas sorridente senhor à porta. Por trás da porta trancada, ela pergunta o que ele quer, e conforme orientado pela empresa, ele se apresenta, fala dos brindes de cortesia pelo aniversário dela, que ele está fazendo uma pesquisa, etc., e pergunta se ela não poderia atendê-lo. Percebendo tratar-se obviamente de um vendedor, Masami apenas responde que não está interessada e pede para que ele se vá. Diante da recusa, o vendedor se lembra do que seu colega havia lhe dito para fazer, mas constrangido consigo mesmo, ele não o faz. Após alguns instantes parado diante da porta de Masami, o vendedor decide apenas avisar estava deixando os brindes e despede-se curvando-se diante do visor. Depois de ouvir os passos dele sumirem pelo corredor, ela abriu a porta e encontrou junto com a flor e a caixinha com uma fatia de bolo um cartão de visitas. Com certo grau de surpresa, ela repara que o vendedor também se chama Masami Kuroiwa – um homônimo. Na última cena, lá está ela, pouco depois, sentada à sua mesinha com a rosa colocada num vasinho, comendo o bolinho-brinde e olhando para o cartão de visitas em uma das mãos com curiosidade. “Ele parece simpático”, ela pensa. É um final em aberto, com muitas possibilidades para os personagens, como na vida real.

Publicada desde 1995 na revista quinzenal “Big Comic Original”, a sérieLike Shooting Stars teve episódios produzidos em forma de novela e levados ao ar pela rede de tevê NHK em 1997, e um longa-metragem para cinema produzido pela Nippon Victor em 2002. Em 2003, Kenshi Hirokane foi agraciado com o prestigioso prêmio de melhor desenhista do ano da Nippon Mangá-ka Kyokai, a Associação dos Desenhistas de Mangá Profissionais do Japão, por Like Shooting Stars, concorrendo com outros 83 autores. Após dez anos, Like Shooting Stars continua sendo uma das preferidas dos leitores da “Big Comic Original”, apresentando novas histórias a cada quinzena. Nascido em 1947, Hirokane começou sua carreira de desenhista em 1974, produzindo mangás para adultos para a revista “Big Comic” e posteriormente para a revista “Comic Morning”. Além de Like Shooting Stars, Hirokane também é conhecido por uma série de características similares que ele desenhou alguns anos antes: Human Scramble, publicada originariamente na revista “Big Comic Original” de 1980 a 1990, e que em 2003 virou uma série em animê para a tevê.

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